Vinham o circo, os carrocéis e as barraquinhas onde se vendia de tudo. Foi dessas passadeiras que, aos sete anos de idade caí, fui arrastada pela corrente numa manhã mas, graças a Deus, salva pela minha mãe.Įra ao redor do poço, na margem esquerda do rioque, durante o verão, se realizavam as duas feiras anuais. Umas passadeiras, na parte mais estreita do rio, levavam ao poço coberto, aonde se ia buscar a água para casa nos cântaros de barro. A ajuda das crianças era bem-vinda, com um pauzinho que ajudava a virá-las. Nós mergulhávamos os pés nos dias de verão para brincar na água corrente. O rio tinha utilidade para as nossas mães que aí lavavam a roupa e as tripas dos porcos, após a matança. Nas águas meio paradas do rio, cresciam os nenúfares brancos e amarelos, ainda hoje as minhas flores favoritas, que pintores como Claude Monet souberam retratar de modo único. No verão, o rio atraía-nos até ao pego fundo junto das ruínas da ponte romana chamada deDona Maria era aí que nos refrescávamos dos grandes calores, mudando de roupa às escondidas, junto dos loendreiros cor de rosa. O caudal barrento arrastava laranjeiras, porcos, sacos de farinha e tantos outros haveres que os mais fortes e corajosos tentavam salvar junto da ponte, e restituir aos donos. As crianças eram constantemente avisadas para não se aproximarem da água. As do inverno, incluem as cheias que causavam grandes preocupações e prejuízos. As minhas lembranças das estações do ano, em particular do verão e do inverno estão associadas ao rio. Na margem direita, um paredão e muro baixo caiados de branco com barra azul, separam as casas do leito do rio, fazendo também vezes demiradouro. O rio Mira, que passava pela aldeia com um caudal considerável até o prenderem na barragem, está indelevelmente ligado à minha aprendizagem de vida. Foi onde vivi, desde os cinco anos de idade até me mudar para Lisboa quando ingressei na universidade. Viajar até Santa Clara-a-Velha é regressar ao tempo de uma infância despreocupada, feliz e de muitas descobertas.
Como nos prendia a atenção toda a maquinaria e materiais necessários para erguer aquela grande obra! Esta data foi significativa para mim e tantos outros que viram erguer os enormes paredões e represas durante os dez anos que levou a construir. O cinquentenário da inauguração da barragem de Santa Clara, no concelho de Odemira, Alentejo, foi comemorado no passado dia 10 de maio com atividades que vieram lembrar a sua importância, a aldeia que era antes e aquela em que se tornou depois.